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8 de nov. de 2012

8º Prêmio Empreendedor Social e 4º Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro

Matéria extraída do caderno Especial do jornal Folha de S.Paulo do dia 08/11/2012.



Instituto Chapada de Educação e Pesquisa | www.institutochapada.org.br
Aos 45 anos, a educadora é a mentora e diretora-executiva do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, que contribui para a melhoria da educação pública por meio do apoio à formação continuada de educadores e gestores educacionais
Tecelã da educação
Amor 'gigantesco' e vontade de mudar tudo a sua volta levaram a 'doce general' a deixar Salvador para transformar a escola pública do sertão baiano
Fotos Na Lata
Cybele Oliveira, na vila de Caeté-Açu (BA)
Cybele Oliveira, na vila de Caeté-Açu (BA)

MARIANA BERGELENVIADA ESPECIAL À CHAPADA DIAMANTINA (BA)
Repetir de ano foi a primeira grande transformação na vida de Cybele Amado de Oliveira. Aos sete anos, a sobrinha-neta de Jorge Amado não conseguiu acompanhar o desenvolvimento de sua turma.
Para descobrir o que havia acontecido, ela contou com uma rede, formada pelos pais -uma contadora de histórias e um piloto da Aeronáutica- e por uma terapeuta.
Foi dessa forma que descobriu que o método de alfabetização usado em sua escola, o Casinha Feliz, baseado em figuras e fonemas, havia se tornado, para ela, uma "casinha infeliz". Cybele, hoje com 45 anos, entendeu naquela época que trocava letras.
Conseguiu reverter o problema. Mais do que isso, revolucionou seu breve histórico escolar -de aluna repetente no começo do ensino fundamental, passou a líder de classe ainda antes do início do ensino médio.
Decidiu fazer o papel que outras pessoas haviam protagonizado em sua vida anos antes: aos 13 anos de idade, começou a auxiliar colegas de escola que tinham dificuldade em matemática.
Na adolescência, distribuía mingau nas ruas e visitava orfanatos e asilos para levar carinho a crianças e idosos.
"Eu tinha um amor gigantesco dentro de mim e uma vontade imensa de mudar tudo o que estava a minha volta, mas não sabia o que fazer com isso", lembra Cybele.
Combinava essas atividades com outras de suas paixões -o grupo de teatro da juventude espírita, as aulas de balé clássico e dança contemporânea e a leitura.
Aos 17 anos, mais uma atividade entrou para sua agenda. A jovem havia sido aprovada no vestibular para a faculdade de pedagogia.
Foi logo no fim do curso que vivenciou sua segunda grande transformação -durante o Carnaval.
Decidida a fugir da folia da capital baiana, foi para a Chapada Diamantina, no interior do Estado. Lá, na vila de Caeté-Açu, no Vale do Capão, distrito de Palmeiras, encontrou não apenas a paz, mas sua missão de vida.
"Na hora em que entrei em uma escola pública, fiquei em choque", diz ela, sobre a precariedade das condições do local. Na volta a Salvador, chorou o caminho inteiro.
FORA DA CAIXA
A experiência foi tão marcante que, uma semana depois, quando o governo do Estado abriu concurso público para a contratação de professores na Chapada Diamantina, ela se inscreveu.
Quando foi aprovada, aos 21 anos, mudou-se para Caeté-Açu levando consigo apenas uma mala de roupas e três caixas de livros, arrecadados em uma campanha que mobilizou em Salvador.
Determinada a que os alunos aprendessem a ler e a escrever, começou como professora de língua portuguesa, mesmo se sentindo ainda despreparada.
Com a escassez de recursos -a escola não tinha nem papel sulfite-, transgrediu o currículo e levou as crianças para aprender fora da sala de aula. "Elas têm que ser menos passivas e mais ativas na aprendizagem", diz Cybele.
A mudança para a Chapada Diamantina também alterou sua vida pessoal.
Ao chegar, ficou doente e foi consultar-se com o único médico da vila do Capão, o naturologista Aureo Augusto Caribé de Azevedo, 59. Casaram-se e ela assumiu como seus os dois filhos dele.
"Não é que eu não queria ter filhos, eu não pensava nisso. Quero cuidar de quem já está no mundo."
Para isso, foi aprimorar-se. Fez pós-graduação em psicopedagogia e, em paralelo ao trabalho na escola, atendia voluntariamente crianças com dificuldade de aprender.
O fim dos anos 1990 foi intenso. Nesse período, com a Associação de Pais, Educadores e Agricultores de Caeté-Açu, iniciou um programa de auxílio a professores. Também criou, com 12 secretários municipais de educação e associações de moradores locais, o Projeto Chapada.
Em 2005, fundou o Icep (Instituto Chapada de Educação e Pesquisa), que contribui para a melhoria da qualidade da educação por meio do apoio à formação continuada de educadores e gestores educacionais, bem como da criação e da mobilização de redes colaborativas.
Pediu exoneração do funcionalismo público, assumiu a diretoria do instituto e ingressou no mestrado em desenvolvimento e gestão social na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
DOCE GENERAL
Nesse tempo, perdeu 12 quilos por causa das madrugadas dedicadas ao estudo e às viagens nos fins de semana para o curso em Salvador.
Hoje, são 20 os municípios da região integrados ao Icep. "Precisamos acreditar que as pessoas são capazes de transformar sua realidade e de conquistar autonomia."
Nos raros momentos em que não está trabalhando, Cybele ouve música clássica e dança sozinha em casa.
"Fico doente quando tem algum feriado prolongado. Trabalho de domingo a domingo." Não é à toa que ganhou na Chapada o apelido de "doce general".
IMPACTO SOCIAL
Promove a formação de leitores e escritores autônomos no ensino fundamental 1, beneficiando hoje 72.186 alunos e 4.204 profissionais da educação na Bahia e em Pernambuco; em 13 anos de atuação, impactou a vida de 157.130 pessoas
SUSTENTABILIDADE
Com um orçamento anual (2012) de R$ 2,6 milhões, o Instituto Chapada tem 35 colaboradores, a maioria formadores pedagógicos. Dos finalistas deste ano, tem a menor diferença na relação entre o maior e o menor salários (2,6)
INOVAÇÃO
Seu projeto é a gênese do que o MEC (Ministério da Educação) chama hoje de ADEs (Arranjos de Desenvolvimento da Educação): ferramentas de gestão pública com trabalho em rede para estimular a colaboração entre prefeituras na oferta de educação de qualidade
POLÍTICAS PÚBLICAS
É o cerne do trabalho do instituto. O melhor exemplo é a campanha desenvolvida em anos leitorais, na qual é pactuado, em sessão solene com os candidatos à prefeitura, um documento público com as propostas de educadores, pais e representantes da comunidade para a melhoria da qualidade
"Em cinco anos, vejo-me à frente da principal instituição de formação de professores do país. Em dez anos, vejo-me à frente da principal instituição de formação de professores do mundo"
CYBELE OLIVEIRA, Empreeendedora Social 2012 da educação municipal


Icep integra público e privado para educar
DA ENVIADA ESPECIAL
À frente do Icep e ao longo dos 16 anos nos quais tem se dedicado a erradicar o analfabetismo e formar leitores e escritores autônomos na Chapada Diamantina, Cybele Oliveira é a principal responsável pelos resultados notáveis em educação alcançados na região nos últimos anos.
Hoje, os três melhores Idebs (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica) da Bahia são de municípios da rede do Instituto Chapada: Boa Vista do Tupim (5,8), Piatã (5,3) e Ibitiara (5).
Trata-se do primeiro e único lugar do Brasil com uma iniciativa concreta, de caráter apartidário, que mobiliza e integra prefeituras, secretarias de educação, escolas, população e políticos para pensar propostas para a educação municipal, além de monitorar sua efetivação.
Essa integração, vale lembrar, dá-se em região marcada pelo coronelismo e pela perpetuação da ignorância entre os menos favorecidos.
No Dia E, ação da Campanha Chapada e Semiárido pela Educação promovida pelo Icep em anos eleitorais, candidatos a vereador e prefeito dos municípios da rede assistem à apresentação de um plano formulado pelos próprios cidadãos e assinam um termo se comprometendo a priorizar tais propostas.
Além da mobilização política, as outras duas grandes linhas de ação do Icep são a formação continuada e a produção de conhecimento. Os 20 municípios que integram a rede buscam juntos, e de maneira autônoma, caminhos e soluções para questões pertinentes à educação.
O instituto conta com uma coordenação regional e uma equipe de formadores. Cada município da rede tem sua equipe técnica, que trabalha na secretaria de educação.
Coordenadores pedagógicos, que há pouco tempo não existiam nessas cidades, atuam nas escolas ao lado de diretores e professores.
13ª é a posição da Chapada Diamantina no Índice de Desenvolvimento Econômico; no Índice de Desenvolvimento Social, é a última colocada (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia)
4,3 foi a nota média na 4ª série/5º ano das escolas públicas no Ideb 2011 dos 19 municípios em que o Instituto Chapada atua, ultrapassando em 19% a meta de 3,63, sendo que a média baiana para o mesmo grupo foi de 3,9, para a meta de 3,3; no Brasil, as médias/metas foram de 4,7 e 4,4, respectivamente
ANALFABETISMO
Em termos qualitativos, o percentual de alunos baianos que atingiram a pontuação mínima adequada na escala da Saeb/Prova Brasil foi inferior à média nacional em todas as séries avaliadas (Todos pela Educação). O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostra que, das 400 piores escolas de 2007, 283 pioraram em 2011: 34% delas estão na Bahia
CHAPADA
Resquícios do coronelismo autoritário e escravagista, onde só os ricos eram alfabetizados, aliados a um cenário econômico de agricultura de subsistência e exploração de minérios, ainda repercutem no alto índice de analfabetismo funcional da população dos 33 municípios da Chapada Diamantina


'Hoje eu sei por que estou na sala de aula'
Professora diz que seu papel é mostrar às crianças o caminho do aprendizado
(...) Depoimento a
MARIANA BERGELENVIADA ESPECIAL À CHAPADA DIAMANTINA (BA)

"Eu tinha apenas o curso de magistério e, aqui [Novo Horizonte], fiz pedagogia e prestei concurso público para trabalhar como professora de educação infantil. Comecei a trabalhar com o Icep, na formação continuada, e me dei conta de que antes eu ensinava mas nem sabia o que estava ensinando. Hoje é totalmente diferente. Sei por que estou na sala de aula. E para quê: ajudar as crianças a entender o processo de aprendizagem. Não estou lá para ensinar, e sim para mostrar que eles mesmos aprendem, basta mostrar o caminho.Temos um acompanhamento direto. Uma formadora do Icep vem a cada mês e fica aqui dois dias com todos os professores, coordenadores e supervisores. Eu me sinto muito mais bem preparada com esse auxílio. Muitas vezes o que é novo deixa dúvidas, e quando você vai colocar em prática aparecem as dificuldades. A formadora traz textos para que os professores percebam a importância do trabalho dentro da sala de aula. Existe um planejamento sobre o que vai ser feito antes, durante e depois da aula.
Quando a formadora volta, ela assiste a vídeos das atividades e ouve nossos relatos para saber qual foi a principal dificuldade do professor ao planejar e aplicar as aulas. Sou encantada com o projeto. O Ideb da cidade melhorou muito com um trabalho de formação continuada e a estrutura que o Instituto Chapada dá aos municípios. A Cybele é um espelho para nós."



29 de set. de 2012

Os animais têm razão

Um dos cordéis mais legais que eu já li =)
Para saber mais sobre o autor, clique aqui
por Antonio Francisco


Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.

O juazeiro, seu moço,
É pra nós a resistência,
A força, a garra e a saga,
O grito de independência
Do sertanejo que luta
Na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham
Do periquito ao cancão.
É hotel de retirante
Que anda de pé no chão
O general da caatinga
E o vigia do sertão.

E foi debaixo de um deles
Que eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

Isso já faz tanto tempo
Que eu nem me lembro mais
Se foi pra lá de Fortim,
Se foi pra cá de Cristais,
Eu só me lembro direito
Do que disse os animais.

Eu vinha de Canindé
Com sono e muito cansado,
Quando vi perto da estrada
Um juazeiro copado.
Subi, armei minha rede
E fiquei ali deitado.

Como a noite estava linda
Procurei ver o cruzeiro,
Mas, cansado como estava,
Peguei no sono ligeiro.
Só acordei com uns gritos
Debaixo do juazeiro.

Quando eu olhei para baixo
Eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

O porco dizia assim:
“Pelas barbas do capeta
Se nós ficarmos parados
A coisa vai ficar preta
Do jeito que o homem vai,
Vai acabar o planeta.

Já sujaram os sete mares
Do Atlântico ao mar Egeu,
As florestas estão capengas,
Os rios da cor de breu
E ainda por cima dizem
Que o seboso sou eu.

Os bichos bateram palmas,
O porco deu com a mão,
O rato se levantou
E disse: “prestem atenção”,
Eu também já não suporto
Ser chamado de ladrão.

O homem, sim, mente e rouba,
Vende a honra, compra o nome.
Nós só pegamos a sobra
Daquilo que ele come
E somente o necessário
Pra saciar nossa fome.

Palmas, gritos e assovios
Ecoaram na floresta,
A vaca se levantou
E disse franzindo a testa:
Eu convívio com o homem,
Mas sei que ele não presta.
É um mal-agradecido,
Orgulhoso, inconsciente.
É doido e se faz de cego,
E não sente o que a gente sente,
E quando nasce e tomando
A pulso o leite da gente.

Entre aplausos e gritos,
A cobra se levantou,
Ficou na ponta do rabo
E disse: também eu sou
Perseguida pelo homem
Pra todo canto que vou.

Pra vocês o homem é ruim,
Mas pra nós ele é cruel.
Mata a cobra, tira o couro,
Come a carne, estoura o fel,
Descarrega todo o ódio
Em cima da cascavel.

É certo, eu tenho veneno,
Mas nunca fiz um canhão.
E entre mim e o homem,
Há uma contradição
O meu veneno é na presa,
O dele no coração.

Entre os venenos do homem
O meu se perde na sobra...
Numa guerra o homem mata
Centenas numa manobra,
Inda cego que diz:
Eu tenho medo de cobra.

A cobra inda quis falar,
Mas, de repente, um esturro.
É que o rato, pulando,
Pisou no rabo do burro
E o burro partiu pra cima
Do rato pra dar-lhe um murro.

Mas, o morcego notando
Que ia acabar a paz,
Pulou na frente do burro
E disse: calma rapaz!...
Baixe a guarda, abra o casco,
Não faça o que o homem faz.

O burro pediu desculpas
E disse: muito obrigado,
Me perdoe se fui grosseiro,
É que eu ando estressado
De tanto apanhar do homem
Sem nunca ter revidado.

O rato disse: seu burro,
Você sofre porque quer.
Tem força por quatro homens,
Da carroça é o chofer...
Sabe dar coice e morder,
Só apanha se quiser.

O burro disse: eu sei
Que sou melhor do que ele,
Mas se eu morder o homem
Ou se eu der um coice nele
É mesmo que está trocando
O meu juízo no dele

Os bichos todos gritaram:
Burro, burro... muito bem!
O burro disse: obrigado,
Mas aqui ainda tem
O cachorro e o morcego
Que querem falar também.

O cachorro disse: amigos,
Todos vocês têm razão...
O homem é um quase nada
Rodando na contramão,
Um quebra-cabeça humano
Sem prumo e sem direção.

Eu nunca vou entender
Por que o homem é assim:
Se odeiam, fazem guerra
E tudo quanto é ruim
E a vacina da raiva
Em vez deles, dão em mim.

Os bichos bateram palmas
E gritaram: vá em frente.
Mas o cachorro parou,
Disse: obrigado, gente,
Mas falta ainda o morcego
Dizer o que ele sente.

O morcego abriu as asas,
Deu uma grande risada
Eu disse: eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem pra nós
Tem sido até camarada.
Constrói castelos enormes
Com torre, sino e altar,
Põe cerâmica e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas, sem ter um lar.

O morcego bateu asas,
Se perdeu na escuridão,
O rato perdeu a vez,
Mas não ouvi nada, não,
Peguei no sono e perdi
O fim da reunião.

Quando o dia amanheceu,
Eu desci do meu poleiro.
Procurei os animais,
Não vi mais nem o roteiro.
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro.

Eu disse olhando as pegadas:
Se essa reunião
Tivesse sido por nós,
Estava coberto o chão
De piubas de cigarros,
Guardanapos e papelão.

Botei a maca nas costas
E sai cortando vente.
Tirei a viagem toda
Sem tirar do pensamento
Os sete bichos zombando
Do nosso comportamento.

Hoje, quando vejo na rua
Um rato morto no chão,
Um burro mulo piado,
Um homem com um facão
Agredindo a natureza,
Eu tenho plena certeza:

OS ANIMAIS TEM RAZÃO

21 de set. de 2012

Aprender por quê?


por Thiago Baptistella Cabral

Paulo Freire em ilustração de  Paulica Santos

Certa vez Paulo Freire - que completaria 91 anos no último dia 19 -, em um programa de rádio, foi perguntado sobre a evasão escolar. Ele disse que "evasão" é uma palavra muito singela, muito sutil para o processo que acontece com o aluno desde que entra na escola até este comportamento final. Ele disse que não são os alunos que evadem, mas as escolas que os abortam. Este modo de ver a situação joga luz sobre o papel ativo da escola no comportamento de "abandono escolar do aluno". Na realidade ele havia sido antes abandonado por ela. 

Homenagem a Paulo Freire feita pelo Profeta Gentileza.

Apresentarei abaixo algumas pesquisas recentes de diferentes áreas do conhecimento sobre este complexo tema para buscarmos compreendê-lo melhor. Segundo o recém-saído documento "Todas as Crianças na Escola em 2015 - Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola", divulgado no dia 31 de agosto pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) - há aproximadamente 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos fora da escola (!). A maior porcentagem é formada por crianças provenientes de baixa classe social das regiões norte e nordeste. Estão fora da escola 32% das crianças cujos pais ganham um quarto de um salário mínimo, mas em famílias de dois salários mínimos este número cai para 6,9%. Outro estudo importante sobre o tema saiu em 2009, desenvolvido pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV): "O Tempo de Permanência na Escola e as Motivações dos Sem-Escola". Eles identificaram que o principal motivo da evasão escolar de jovens de 15 a 17 anos não é a necessidade de procurar emprego, mas a ausência de interesse intrínseco do aluno em ir à escola, respondendo por 40% da evasão. A necessidade de trabalho fica em segundo lugar, respondendo por 27% da evasão. Ou seja, uma escola sem sentido faz com que o aluno perca o interesse em ir até ela.

Para baixar o pdf clique aqui


Estes dados confluem com outro estudo realizado em 2011 pelos pesquisadores italianos Fábio Alivernini e Fábio Lucidi. Eles elencaram alguns fatores que poderiam influenciar a evasão como, por exemplo, as notas dos alunos, a influência da autonomia que os pais davam aos filhos, a motivação do aluno para ir à escola e fazer as atividades escolares, o status socioeconômico dos alunos e o suporte à autonomia do aluno dado pelo professor. Então fizeram a seguinte pergunta: qual destes fatores teria maior influência no comportamento de evasão escolar? Após um ano de pesquisa, com 426 crianças com idades de 9 a 13 anos, descobriram que a motivação do aluno era o principal previsor de evasão escolar, ou seja, se o aluno tem baixa motivação para ir à escola, é maior a chance dele evadir a escola, mesmo que suas notas sejam relativamente boas. A motivação, portanto, está intrinsecamente relacionada ao interesse, à vontade do aluno, o que ajuda a esclarecer o alto índice de falta de interesse dos alunos na escola encontrados no estudo da FGV.

Para baixar o pdf clique aqui

Talvez a principal teoria psicológica que procura explicar o funcionamento da motivação humana seja a teoria da Autodeterminação. Ela postula três necessidades psicológicas básicas para o ser humano: a necessidade de autonomia, de relacionamento (conectividade) e de competência. Deste modo, um ambiente que favoreça a autonomia, a conectividade e a competência do aluno vai fazer com que sua motivação intrínseca (o tipo de motivação gerado pelo prazer de fazer a tarefa) seja aumentada. Por exemplo, o aluno, ter a possibilidade de escolher com quem vai fazer grupo em determinado trabalho aumenta sua necessidade de autonomia e sua motivação intrínseca; escolher de qual forma aprender determinado assunto também tende a aumentar a motivação do aluno. 


Quanto maior a série, menor a motivação intrínseca (linha escura) do aluno.
Corpus, J.H. et al (2009). Within-year changes in children's  intrinsic and extrinsic motivational orientations: contextual predictors and academic outcomes. Contemporary Educational Psychology.


Em algumas escolas o currículo está dividido em objetivos, o que faz com que o aluno escolha quais objetivos trabalhar, digamos, naquela semana. Escolas que caminham nesta direção podem aumentar o interesse do aluno pela escola, diminuindo o aborto escolar e os problemas que dele decorrem. Se o aluno não compreender o sentido daquilo que o professor está querendo ensinar, sua motivação diminuirá. Isto nos leva de volta ao Paulo Freire, que trabalhava em seus círculos de cultura a importância da conscientização e da contextualização do conhecimento. Certa vez Moacir Gadotti disse que se Freire estivesse vivo, colocaria mais um pilar junto aos "quatro pilares da educação" criados pela UNESCO (Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a viver com os outros e Aprender a ser): "Aprender por quê?".

O quarto capítulo pe todo dedicado aos "Quatro pilares da educação"
Para download do livro clique aqui



Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos no caderno opinião do Jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 21/09/2012.

Para ler este texto no site do jornal Diário de Natal clique aqui (é o texto de baixo).

3 de ago. de 2012

Românticos Conspiradores

Thiago Baptistella Cabral
thiagobc1@gmail.com 

Para acessar uma das plataformas em que os Românticos Conspiradores se relacionam clique aqui 

Um salão com um grande círculo formado por mais de 150 apaixonados por educação provenientes de cinco estados do Brasil. De pé, assim como na ladainha de capoeira "sou discípulo que aprende e mestre que dou lição", duas pré-adolescentes de 12 e 13 anos respondiam, há quase 20 minutos, perguntas dos educadores - no sentido mais amplo que esta palavra possui - sobre como funcionava a escola em que elas estudavam. Ao serem perguntadas a respeito de como era a interação das crianças ditas "normais" da escola com as crianças com necessidades especiais, a aluna Mariana respondeu: eles interagem com a gente, trabalhamos nos mesmos grupos, às vezes a professora faz algumas aulas específicas com eles, mas o relacionamento é muito bom e normal. Ao seu lado pede a palavra Alice, sua amiga do 8º ano: não são "eles"... somos "nós". Este é o tom do 3º Encontro Nacional da rede Românticos Conspiradores. 

Salão da EMEF Amorim Lima (São Paulo-SP)durante o início do encontro, para acessar o site clique aqui


A escola em que as meninas estudam e local onde ocorreu o primeiro dia do encontro é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Amorim Lima, localizada na capital de São Paulo. Uma escola como qualquer outra, mas que decidiu entrar em um processo de horizontalização das relações, como disse Alice: "tudo o que acontece nesta escola passa pelo ouvido dos alunos. Se vão pintar uma parede de vermelho, você pode ter certeza que os alunos opinaram". As relações são mais democráticas também no currículo, em que os alunos montam roteiros de estudo com seus tutores (professores) e estudam em grupos de interesse. Os pais de alunos, naturalmente corresponsáveis pela educação dos seus filhos, também estão presentes para discutir o projeto de educação e a tomar decisões políticas da escola, estavam presentes no encontro. 


Plenária no domingo à tarde no circo do Projeto Âncora (Cotia-SP), para saber mais clique aqui



No domingo todos fomos à cidade de Cotia-SP, nos reunimos e conhecemos o Projeto Âncora. Este projeto social, que também é uma escola longe dos moldes tradicionais, foi definida pelo professor de música como "uma banda de jazz. Nela, parece que as pessoas fazem tudo de uma hora para outra de forma improvisada, mas, para que aquilo fosse feito, foi preciso que os artistas estudassem muito, eles sabem muito bem o que estão fazendo". A coordenadora pedagógica contava uma história em que a mãe de um dos alunos dizia "Nossa, tenho tanta coisa para fazer que nem sei por onde começar", ao passo que seu pequenino filho respondeu "mãe, você precisa fazer um planejamento. Se você quiser eu te ajudo". 


Alunos da Escola Estadual Hegésippo Reis (Natal-RN) realizando uma assembleia,
 para acessar o site clique aqui


Caro leitor, se você pensa que esta escola é algo pontual e distante da sua realidade, saiba que escolas assim, com equipes que ousam fazer diferente não são exclusividade de São Paulo. Há três anos eu vim de São Paulo a Natal para aprender mais sobre educação com o Projeto Casa de Saberes, realizado na Escola Estadual Hegésippo Reis. Participei do dia a dia da escola, de reuniões pedagógicas, reuniões de pais, assembleias semanais presididas pelos alunos. Hoje, quando volto na escola vejo que as relações de alunos, pais, equipe pedagógica e comunidade estão mais fortes, e vejo a escola caminhando, crescendo, aprendendo e melhorando no seu percurso. 


Livro do Agostinho em que retirei a frase
para acessar mais conteúdo sobre ele clique aqui


Como dizia o professor Agostinho da Silva "a nossa existência é um barco que atravessa frequentes tempestades. Estamos agora numa, e bem ruim. O segredo para resistir é não olhar pela borda fora, se não enjoamos e fazemos os outros enjoar. O segredo é olhar o horizonte, mesmo sabendo que não chegaremos lá". Nenhum projeto de educação é pronto e acabado, assim como o ser humano não é. Desafios sempre existem e existirão, mas isso não impede às pessoas de olhar o horizonte e seguir em sua direção. A beleza está no percurso escolhido e construído, e isso faz toda a diferença na educação das crianças e adultos que fazem parte destes projetos. 


Para fazer o download de Pedagogia do Oprimido clique aqui


Não ousarei definir o que são e quem são os "Românticos Conspiradores". Espero que a leitora ou o leitor, que de alguma forma se sentiu tocado(a) pelo que leu, entre em contato e faça parte da Rede. Eu diria que a rede Românticos Conspiradores é formada por pessoas comuns das mais diversas áreas, todos de alguma maneira envolvidos com uma educação que seja, ela mesmo - como diria o romântico conspirador Paulo Freire - "a criação de um mundo onde seja menos difícil amar". 


Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 03/08/2012

Obs: para ler o texto no site do jornal Diário de Natal, clique aqui (é o texto de baixo).

22 de jun. de 2012

Cérebro nas políticas públicas


Por Thiago Baptistella Cabral


“Querida Hilde, se o cérebro humano fosse tão simples ao ponto de podermos entendê-lo, nós seríamos tão idiotas que não conseguiríamos entendê-lo.” Esta frase está no ótimo livro “O mundo de Sofia”, do escritor norueguês Jostein Gaarder. 

Capa do livro "O Mundo de Sofia".
Muita gente desiste no meio da leitura, uma
pena, pois ele fica melhor na segunda metade.
O cérebro humano, possivelmente a estrutura mais complexa produzida pela evolução é, há muito tempo, motivo de estudo dos cientistas. Graças também à teoria da evolução, sabemos que todos os seres vivos são aparentados, e podemos estudar, por exemplo, o sistema nervoso de animais muito mais simples para compreender como funcionam alguns mecanismos do cérebro humano. Um exemplo disso é que muito do que sabemos sobre os eventos neuronais associados ao aprendizado se devem a estudos realizados com lesmas marinhas. 


Lindinha simpática? Bota simpática nisso, lesma marinha
Aplysia californica mede cerca de 30 cm!
Mas os estudos de neurocientistas não se baseiam apenas em outros animais. Existem técnicas não invasivas que permitem ao pesquisador observar quais áreas cerebrais de uma pessoa estão mais ativas durante uma determinada tarefa, como por exemplo, enquanto ela lê um trecho de Hamlet. Desta maneira, foi possível coletar novas evidências para se construir algo como um mapa cerebral, contendo quais áreas do nosso cérebro estão envolvidas em diferentes tarefas.

Sabemos, por exemplo que quando você sente medo, esta área cerebral chamada amígdala fica mais ativada. Imagem obtida através de "Imageamento por Ressonância Magnética Funcional", uma das técnica não-invasivas relatadas no texto.
Em uma pesquisa realizada em 2008, na Universidade de Washington, Rajeev D.S Raizada e colegas demonstraram haver correlação entre desempenho em uma atividade de leitura, o volume da área cerebral ativada durante a tarefa e o status socioeconômico de crianças com cinco anos de idade. Quanto maior era o status socioeconômico da criança, maior era o desempenho dela em uma tarefa relacionada à leitura e maior era o volume cerebral daquela área. O estudo traz evidências de que fatores ambientais se manifestam tanto anatomicamente quanto funcionalmente no cérebro de uma pessoa. Dada a importância da leitura, existem muitos outros trabalhos científicos relacionando bons e maus leitores em praticamente todas as tarefas cognitivas que já foram concebidas, e diversas correlações e diferenças significativas entre bons e maus leitores foram observadas em um grande número dessas tarefas.

Para acessar o artigo completo citado no texto, clique aqui

É inegável o papel da leitura no desenvolvimento cognitivo e social de um indivíduo. A leitura proporciona o acesso a grande parte da cultura humana historicamente construída, ajuda o leitor a entender melhor o mundo em que vive, e incentiva para que ele continue aprendendo. Proporciona maiores chances de se conseguir um emprego e melhora a performance em outras tarefas cognitivas. Além disso, o prazer proporcionado pelo ato de ler pode melhorar a qualidade de vida do leitor. Intervenções que promovam a estimulação cognitiva, especialmente nas crianças de baixo status socioeconômico, podem alterar seu desenvolvimento cerebral, gerando uma cadeia de eventos que pode refletir positivamente no desenvolvimento dos alunos.

Um pedacinho da "sala de leitura" da Escola Estadual Hegésippo Reis (Natal-RN), local onde foi gestado e gerado o projeto "Escola de Leitores", posteriormente dando origem à Lei Nº 9.169 de 15 de janeiro de 2009 e à Rede Potiguar de Escolas Leitoras

Podemos ainda não compreender todo o funcionamento do cérebro humano – ainda estamos longe disso -, mas isto de modo algum significa que nada compreendemos dele. De fato temos uma grande quantidade de evidências a respeito do papel da leitura no seu desenvolvimento, e isso revela a relevância de se investir e sustentar ações que garantam na escola a alfabetização das crianças na idade correta (aproximadamente 8 anos, ou 3º ano do ensino fundamental), bem como a importância de políticas públicas e projetos voltados à leitura. No nosso estado, o principal projeto é a “Rede Potiguar de Escolas Leitoras”, presente em 170 escolas de Natal-RN e Parnamirim-RN promovendo a formação de leitores literários desde a mais tenra idade. Estas ações, como vimos, são fundamentais não somente por formar leitores literários, mas também por promover estímulos que refletem em tarefas que vão além da leitura.

Seminário que faz parte e fomenta a Rede Potiguar de Escolas Leitoras.
Para ver a programação completa, clique aqui.
Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 22/06/2012

Obs: para ler o texto no site do jornal Diário de Natal, clique aqui (é o texto de baixo).

19 de mai. de 2012

Dona Maria


Sol nascendo aqui em Natal-RN... (arquivo pessoal).



Autor: Thiago de Mello

Dona Maria está partindo.
Parece que está dormindo.
Mas já está chegando ao finzinho
do vale que leva à eternidade.

Quero só ver o que a eternidade
vai fazer com Dona Maria.
Ela sempre garantiu, desde mocinha,
que ia morar lá no céu.
E muito ouvi dela que Jesus,
de quem era serva fiel,
a esperava, contente.
Conversava com ele

como pessoa da sua maior intimidade.
Falava do céu como do jardim
cheio de roseiras e begônias
da casa dela na rua José Paranaguá.

Isso, ela. Eu, que não tenho lá essas certezas,
convencido de que a verdade da vida eterna
não chega a me dizer respeito,
acho que tenho o direito de esperar
que a Eternidade, com maiúscula,
dê a Dona Maria, pelo menos,
uma das tantas flores de bondade
que o seu coração repartiu
com o seu companheiro de vida,
os filhos (contando os de criação),
os irmãos, os parentes, as pessoas amigas,
e especialmente as desconhecidas,
pois a todos considerava filhos de Deus.

Estou vendo Dona Maria, pelo menos,
uma das tantas flores de bondade
que o seucoração repartiu
como seu companheiro de vida,
os filhos (contando os de criação),
os irmãos, os parentes, as pessoas amigas
e especialmente as desconhecidas,
pois a todos considerava filhos de Deus.

Estou vendo Dona Maria.
Deitadinha na cama, a cabeleira
branquinha (ela era faceira
no cuidado com os cabelos
ondulados e compridos)
espalhada no travesseiro esverdeado.

Noventa e três anos cheios de graça,
a vida desta cabocla do rio Javari,
nascida dos cearenses Rita e Joaquim,
no seringal Campinas,
pertinho de Remate de Males.

Dona Maria. Casou, moça em flor,
com um rapaz instruído e elegante,
chamado Pedro, natural de Barreirinha,
que mal chegou em Borba, rio Madeira,
logo caiu de namoro por ela,
com quem viveu de mãos dadas,
mais de sessenta anos.

Suas bodas de diamante
(ela trajando o mesmo vestido
rendado do casamento)
foram celebrados na saudosa
"noite de arte e de amor",
como Dona Maria fez questão de chamar,
num Teatro Amazonas repleto
só de gente que lhe queria bem
pelo grande bem que a sua vida fez.

Dona Maria. Dos doze filhos
que o seu Pedrinho lhe deu,
seis ela os perdeu logo nascidos
ou ainda bem pequeninos.
Seis ela criou e ajudou o seu velho a a educar
e deles nunca deixouum só momento
de ser a mãe vigilante,
deles cuidando o passo
por mais distantes que fossem
os caminhos por onde andassem.

Dona Maria amava o trabalho.
Só parou quando a fadiga das coronárias
e as artroses da vida
vergaram-lhe as forças.
Lavava, engomava, costurava, cozinhava,
partia lenha, plantava.
Nenhum terno branco, linho puro 120,
foi mais impecável de brilho na avenida
Eduardo Ribeiro, como o do seu Pedro,
lavado e engomado por ela,
com ferro quente de brasa, viva e soprada.

Dona Maria. Fazia um tucunaré
só mesmo dela: abria por cima,
limpava, tirava o espinhaço,
recheava com farofa de ovo e alfavaca,
depois costurava as duas bandas
e assava ao forno regado
com azeite português da marca Galo.
Inventou um "lombo cheio", filé recheado
com picadinho de carne, chouriço e toucinho,
que no Rio de Janeiro fazia a delícia
do seu amigo, Manuel Bandeira.

Cantar sempre foi o seu fraco,
para não dizer o seu forte.
Cantava feliz, de voz saudosa,
as modinhas que aprendeu
com as serenatas do noivo,
por sinal tão bom de violão
que até na velhice acompanhava
dedilhando a Casinha Pequenina,
as Tuas Mãozinhas e a valsa Talã.

Parece que estou vendo Dona Maria
lavando roupa (era uma rede)
e cantando, no pátio cimentado
da casa da Vila Pedrosa.
Cantava principalmente
hinos de louvor a Deus,
que era a sua forma predileta
de louvaro milagre da vida.
Parece que estou ouvindo
a sua voz afinadíssima:
"O Jardim onde Cristo me espera
é um lugar de beleza e de paz."

Escrevo em Manaus, num quarto de hospital.
Agora me aproximo da cama,
Dona Maria parece que está dormindo.
Debruço-me sobre o seu peito,
colo o ouvidoao seu coração,
que ainda resiste, meigamente.
Até quando resistirá este coração valente?
Só sei que restirá cantando.

Sinto imensa precisão
de que ela me atenda mais uma vez.
Então lhe peço, como desde menino:
"A bênção, minha Mãe, Dona Maria!"
Mas desta vez ela não me responde,
como sempre fez, com sua fé prodigiosa:
"Deus te abençoe, meu filho,
Deus te faça feliz!"
Não me abençoará nunca mais.
Porque minha Mãe Dona Maria
acaba de partir para a eternidade.

                                   3 de fevereiro de 1998.
                                   Manaus de manhãzinha



Há alguns dias, quando uma pessoa de quem gosto muito fez aniversário, fiquei em dívida em qual presente lhe dar. Decidi que seria uma das minhas poesias favoritas... Este é o meu presente de aniversário (um tanto quanto atrasado) para o querido, "amigo dos livros e da vida", José Pacheco.

11 de mai. de 2012

“Fazer amor com as palavras”

Por Thiago Baptistella Cabral

Crianças costumam ganhar brinquedos e roupas em datas festivas. Eu sempre preferi os brinquedos, e vez ou outra também era presenteado com um livro. Eram daqueles livros com grandes figuras e pouco texto. Na mesma época, todo fim de semana, minha mãe me levava à banca de revistas e comprava um gibi do Chico Bento. O personagem favorito dela sempre foi o Chico, que passou a ser o meu favorito também.

Update: Boa Chico!


O tempo passou e por algum motivo, durante a faculdade de Ciências Biológicas, senti vontade de reler o primeiro livro que me marcou. Acho que foi porque me lembro de sentir algo diferente, talvez pelo tema, pois era um livro sobre a morte. Então, no fim de semana fui à minha casa, que ficava a mais de 200 Km de distância da cidade onde  morava, com muita vontade de encontrá-lo. A meu favor, a lembrança de um cisne branco na capa. Ao abrir o "armário das coisas antigas", em pouco tempo encontrei um livro grande e branco. Não havia um cisne na capa, mas um ganso, com um grande título em vermelho: ”A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens”. Fiquei feliz em dobro quando me dei conta de que o autor era Rubem Alves, uma pessoa muito querida, que conheci nos meus “estudos amigodidatas” (estudo autodidata com amigos!) sobre educação. 


"Cheiro-de-jasmim" voando...
Livro novo aqui, ou usado aqui
Recomendo este livro para quem gosta de educação.
Descobri nos "estudos amigodidatas".
Usado aqui ou novo aqui

O livro ainda trazia uma dedicatória com a assinatura do autor: “Para Thiago, abração do Tio Rubem”. Reli o livro e fiquei com a mesma sensação de quando era criança: um nó na garganta. É mesmo um livro muito bonito.


Rubem Alves, o "Tio Rubem". Para saber de onde
tirei o título deste texto, clique aqui. Outra linda crônica

que fala sobre o mesmo tema aqui.

No meu caso, não foi a escola quem me despertou o prazer pela leitura mas, de modo geral, os professores exercem papel fundamental no incentivo à leitura para as crianças. De acordo com o Instituto Pró-Livro, em uma pesquisa publicada no mês passado, os professores e as mães estão praticamente empatados como principais influenciadores na criação do hábito da leitura. O pai não possui nem metade da influência da mãe, porque as mulheres em geral leem mais do que os homens, e porque as mães leem com maior frequência para seus filhos, dentre outros fatores. De forma preocupante, a pesquisa mostra que a média de livros lidos por pessoa também diminuiu de 4,7 livros por ano, em 2007, para 4,0 livros por ano em 2010 (sendo dois inteiros e dois pela metade!). 

Download dos principais resultados da pesquisa aqui
Site do Instituto Pró-Livro aqui

Além da diminuição de livros lidos por ano, houve uma diminuição na quantidade de pessoas que gostam de ler jornais, revistas, livros e textos na internet no seu tempo livre – de 36% em 2007, este número diminuiu para 28% em 2010, e curiosamente, para o mesmo período, houve um aumento na quantidade de pessoas que gostam de assistir televisão – de 77% aumentou para 85%.


Que tal?

A diminuição de interesse pela leitura não é um problema enfrentado apenas pelo Brasil. Segundo uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o percentual de estudantes de 15 anos – especialmente os garotos – que leem diariamente pelo prazer diminuiu na maioria dos países desenvolvidos entre 2000 e 2009. A cada três anos, a mesma organização promove a principal avaliação internacional de estudantes, abrangendo 67 países, inclusive o Brasil, no chamado Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Interessantemente, a diferença entre os estudantes que apresentaram bom e mau desempenho nesta avaliação não encontra-se relacionada ao tempo  gasto com leitura, mas sim ao hábito de ler diariamente por prazer.

Para acessar a pesquisa, clique aqui

É inegável o papel da leitura no desenvolvimento cognitivo e social de um indivíduo. Das pessoas que já receberam livros de presente, 88% afirmaram que isso foi importante para despertar o gosto pela leitura (Instituto Pró-Livro, 2012). Que tal dar um livro na próxima vez que tiver de dar um presente a alguém? Se não ganhasse de presente alguns livros quando pequeno, ou se minha mãe não gostasse do Chico Bento, não seria tão feliz quanto eu sou, pois eu provavelmente deixaria de “fazer amor com as palavras” (pra usar a frase do “Tio Rubem”) com tanta frequência. Resta agradecer: obrigado mãe.

Ah, e feliz dia das mães =)

Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 11/05/2012

Obs: para ler o texto no site do jornal Diário de Natal, clique aqui (é o texto de baixo).