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19 de mai. de 2012

Dona Maria


Sol nascendo aqui em Natal-RN... (arquivo pessoal).



Autor: Thiago de Mello

Dona Maria está partindo.
Parece que está dormindo.
Mas já está chegando ao finzinho
do vale que leva à eternidade.

Quero só ver o que a eternidade
vai fazer com Dona Maria.
Ela sempre garantiu, desde mocinha,
que ia morar lá no céu.
E muito ouvi dela que Jesus,
de quem era serva fiel,
a esperava, contente.
Conversava com ele

como pessoa da sua maior intimidade.
Falava do céu como do jardim
cheio de roseiras e begônias
da casa dela na rua José Paranaguá.

Isso, ela. Eu, que não tenho lá essas certezas,
convencido de que a verdade da vida eterna
não chega a me dizer respeito,
acho que tenho o direito de esperar
que a Eternidade, com maiúscula,
dê a Dona Maria, pelo menos,
uma das tantas flores de bondade
que o seu coração repartiu
com o seu companheiro de vida,
os filhos (contando os de criação),
os irmãos, os parentes, as pessoas amigas,
e especialmente as desconhecidas,
pois a todos considerava filhos de Deus.

Estou vendo Dona Maria, pelo menos,
uma das tantas flores de bondade
que o seucoração repartiu
como seu companheiro de vida,
os filhos (contando os de criação),
os irmãos, os parentes, as pessoas amigas
e especialmente as desconhecidas,
pois a todos considerava filhos de Deus.

Estou vendo Dona Maria.
Deitadinha na cama, a cabeleira
branquinha (ela era faceira
no cuidado com os cabelos
ondulados e compridos)
espalhada no travesseiro esverdeado.

Noventa e três anos cheios de graça,
a vida desta cabocla do rio Javari,
nascida dos cearenses Rita e Joaquim,
no seringal Campinas,
pertinho de Remate de Males.

Dona Maria. Casou, moça em flor,
com um rapaz instruído e elegante,
chamado Pedro, natural de Barreirinha,
que mal chegou em Borba, rio Madeira,
logo caiu de namoro por ela,
com quem viveu de mãos dadas,
mais de sessenta anos.

Suas bodas de diamante
(ela trajando o mesmo vestido
rendado do casamento)
foram celebrados na saudosa
"noite de arte e de amor",
como Dona Maria fez questão de chamar,
num Teatro Amazonas repleto
só de gente que lhe queria bem
pelo grande bem que a sua vida fez.

Dona Maria. Dos doze filhos
que o seu Pedrinho lhe deu,
seis ela os perdeu logo nascidos
ou ainda bem pequeninos.
Seis ela criou e ajudou o seu velho a a educar
e deles nunca deixouum só momento
de ser a mãe vigilante,
deles cuidando o passo
por mais distantes que fossem
os caminhos por onde andassem.

Dona Maria amava o trabalho.
Só parou quando a fadiga das coronárias
e as artroses da vida
vergaram-lhe as forças.
Lavava, engomava, costurava, cozinhava,
partia lenha, plantava.
Nenhum terno branco, linho puro 120,
foi mais impecável de brilho na avenida
Eduardo Ribeiro, como o do seu Pedro,
lavado e engomado por ela,
com ferro quente de brasa, viva e soprada.

Dona Maria. Fazia um tucunaré
só mesmo dela: abria por cima,
limpava, tirava o espinhaço,
recheava com farofa de ovo e alfavaca,
depois costurava as duas bandas
e assava ao forno regado
com azeite português da marca Galo.
Inventou um "lombo cheio", filé recheado
com picadinho de carne, chouriço e toucinho,
que no Rio de Janeiro fazia a delícia
do seu amigo, Manuel Bandeira.

Cantar sempre foi o seu fraco,
para não dizer o seu forte.
Cantava feliz, de voz saudosa,
as modinhas que aprendeu
com as serenatas do noivo,
por sinal tão bom de violão
que até na velhice acompanhava
dedilhando a Casinha Pequenina,
as Tuas Mãozinhas e a valsa Talã.

Parece que estou vendo Dona Maria
lavando roupa (era uma rede)
e cantando, no pátio cimentado
da casa da Vila Pedrosa.
Cantava principalmente
hinos de louvor a Deus,
que era a sua forma predileta
de louvaro milagre da vida.
Parece que estou ouvindo
a sua voz afinadíssima:
"O Jardim onde Cristo me espera
é um lugar de beleza e de paz."

Escrevo em Manaus, num quarto de hospital.
Agora me aproximo da cama,
Dona Maria parece que está dormindo.
Debruço-me sobre o seu peito,
colo o ouvidoao seu coração,
que ainda resiste, meigamente.
Até quando resistirá este coração valente?
Só sei que restirá cantando.

Sinto imensa precisão
de que ela me atenda mais uma vez.
Então lhe peço, como desde menino:
"A bênção, minha Mãe, Dona Maria!"
Mas desta vez ela não me responde,
como sempre fez, com sua fé prodigiosa:
"Deus te abençoe, meu filho,
Deus te faça feliz!"
Não me abençoará nunca mais.
Porque minha Mãe Dona Maria
acaba de partir para a eternidade.

                                   3 de fevereiro de 1998.
                                   Manaus de manhãzinha



Há alguns dias, quando uma pessoa de quem gosto muito fez aniversário, fiquei em dívida em qual presente lhe dar. Decidi que seria uma das minhas poesias favoritas... Este é o meu presente de aniversário (um tanto quanto atrasado) para o querido, "amigo dos livros e da vida", José Pacheco.

11 de mai. de 2012

“Fazer amor com as palavras”

Por Thiago Baptistella Cabral

Crianças costumam ganhar brinquedos e roupas em datas festivas. Eu sempre preferi os brinquedos, e vez ou outra também era presenteado com um livro. Eram daqueles livros com grandes figuras e pouco texto. Na mesma época, todo fim de semana, minha mãe me levava à banca de revistas e comprava um gibi do Chico Bento. O personagem favorito dela sempre foi o Chico, que passou a ser o meu favorito também.

Update: Boa Chico!


O tempo passou e por algum motivo, durante a faculdade de Ciências Biológicas, senti vontade de reler o primeiro livro que me marcou. Acho que foi porque me lembro de sentir algo diferente, talvez pelo tema, pois era um livro sobre a morte. Então, no fim de semana fui à minha casa, que ficava a mais de 200 Km de distância da cidade onde  morava, com muita vontade de encontrá-lo. A meu favor, a lembrança de um cisne branco na capa. Ao abrir o "armário das coisas antigas", em pouco tempo encontrei um livro grande e branco. Não havia um cisne na capa, mas um ganso, com um grande título em vermelho: ”A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens”. Fiquei feliz em dobro quando me dei conta de que o autor era Rubem Alves, uma pessoa muito querida, que conheci nos meus “estudos amigodidatas” (estudo autodidata com amigos!) sobre educação. 


"Cheiro-de-jasmim" voando...
Livro novo aqui, ou usado aqui
Recomendo este livro para quem gosta de educação.
Descobri nos "estudos amigodidatas".
Usado aqui ou novo aqui

O livro ainda trazia uma dedicatória com a assinatura do autor: “Para Thiago, abração do Tio Rubem”. Reli o livro e fiquei com a mesma sensação de quando era criança: um nó na garganta. É mesmo um livro muito bonito.


Rubem Alves, o "Tio Rubem". Para saber de onde
tirei o título deste texto, clique aqui. Outra linda crônica

que fala sobre o mesmo tema aqui.

No meu caso, não foi a escola quem me despertou o prazer pela leitura mas, de modo geral, os professores exercem papel fundamental no incentivo à leitura para as crianças. De acordo com o Instituto Pró-Livro, em uma pesquisa publicada no mês passado, os professores e as mães estão praticamente empatados como principais influenciadores na criação do hábito da leitura. O pai não possui nem metade da influência da mãe, porque as mulheres em geral leem mais do que os homens, e porque as mães leem com maior frequência para seus filhos, dentre outros fatores. De forma preocupante, a pesquisa mostra que a média de livros lidos por pessoa também diminuiu de 4,7 livros por ano, em 2007, para 4,0 livros por ano em 2010 (sendo dois inteiros e dois pela metade!). 

Download dos principais resultados da pesquisa aqui
Site do Instituto Pró-Livro aqui

Além da diminuição de livros lidos por ano, houve uma diminuição na quantidade de pessoas que gostam de ler jornais, revistas, livros e textos na internet no seu tempo livre – de 36% em 2007, este número diminuiu para 28% em 2010, e curiosamente, para o mesmo período, houve um aumento na quantidade de pessoas que gostam de assistir televisão – de 77% aumentou para 85%.


Que tal?

A diminuição de interesse pela leitura não é um problema enfrentado apenas pelo Brasil. Segundo uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o percentual de estudantes de 15 anos – especialmente os garotos – que leem diariamente pelo prazer diminuiu na maioria dos países desenvolvidos entre 2000 e 2009. A cada três anos, a mesma organização promove a principal avaliação internacional de estudantes, abrangendo 67 países, inclusive o Brasil, no chamado Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Interessantemente, a diferença entre os estudantes que apresentaram bom e mau desempenho nesta avaliação não encontra-se relacionada ao tempo  gasto com leitura, mas sim ao hábito de ler diariamente por prazer.

Para acessar a pesquisa, clique aqui

É inegável o papel da leitura no desenvolvimento cognitivo e social de um indivíduo. Das pessoas que já receberam livros de presente, 88% afirmaram que isso foi importante para despertar o gosto pela leitura (Instituto Pró-Livro, 2012). Que tal dar um livro na próxima vez que tiver de dar um presente a alguém? Se não ganhasse de presente alguns livros quando pequeno, ou se minha mãe não gostasse do Chico Bento, não seria tão feliz quanto eu sou, pois eu provavelmente deixaria de “fazer amor com as palavras” (pra usar a frase do “Tio Rubem”) com tanta frequência. Resta agradecer: obrigado mãe.

Ah, e feliz dia das mães =)

Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 11/05/2012

Obs: para ler o texto no site do jornal Diário de Natal, clique aqui (é o texto de baixo).