Páginas

22 de jun. de 2012

Cérebro nas políticas públicas


Por Thiago Baptistella Cabral


“Querida Hilde, se o cérebro humano fosse tão simples ao ponto de podermos entendê-lo, nós seríamos tão idiotas que não conseguiríamos entendê-lo.” Esta frase está no ótimo livro “O mundo de Sofia”, do escritor norueguês Jostein Gaarder. 

Capa do livro "O Mundo de Sofia".
Muita gente desiste no meio da leitura, uma
pena, pois ele fica melhor na segunda metade.
O cérebro humano, possivelmente a estrutura mais complexa produzida pela evolução é, há muito tempo, motivo de estudo dos cientistas. Graças também à teoria da evolução, sabemos que todos os seres vivos são aparentados, e podemos estudar, por exemplo, o sistema nervoso de animais muito mais simples para compreender como funcionam alguns mecanismos do cérebro humano. Um exemplo disso é que muito do que sabemos sobre os eventos neuronais associados ao aprendizado se devem a estudos realizados com lesmas marinhas. 


Lindinha simpática? Bota simpática nisso, lesma marinha
Aplysia californica mede cerca de 30 cm!
Mas os estudos de neurocientistas não se baseiam apenas em outros animais. Existem técnicas não invasivas que permitem ao pesquisador observar quais áreas cerebrais de uma pessoa estão mais ativas durante uma determinada tarefa, como por exemplo, enquanto ela lê um trecho de Hamlet. Desta maneira, foi possível coletar novas evidências para se construir algo como um mapa cerebral, contendo quais áreas do nosso cérebro estão envolvidas em diferentes tarefas.

Sabemos, por exemplo que quando você sente medo, esta área cerebral chamada amígdala fica mais ativada. Imagem obtida através de "Imageamento por Ressonância Magnética Funcional", uma das técnica não-invasivas relatadas no texto.
Em uma pesquisa realizada em 2008, na Universidade de Washington, Rajeev D.S Raizada e colegas demonstraram haver correlação entre desempenho em uma atividade de leitura, o volume da área cerebral ativada durante a tarefa e o status socioeconômico de crianças com cinco anos de idade. Quanto maior era o status socioeconômico da criança, maior era o desempenho dela em uma tarefa relacionada à leitura e maior era o volume cerebral daquela área. O estudo traz evidências de que fatores ambientais se manifestam tanto anatomicamente quanto funcionalmente no cérebro de uma pessoa. Dada a importância da leitura, existem muitos outros trabalhos científicos relacionando bons e maus leitores em praticamente todas as tarefas cognitivas que já foram concebidas, e diversas correlações e diferenças significativas entre bons e maus leitores foram observadas em um grande número dessas tarefas.

Para acessar o artigo completo citado no texto, clique aqui

É inegável o papel da leitura no desenvolvimento cognitivo e social de um indivíduo. A leitura proporciona o acesso a grande parte da cultura humana historicamente construída, ajuda o leitor a entender melhor o mundo em que vive, e incentiva para que ele continue aprendendo. Proporciona maiores chances de se conseguir um emprego e melhora a performance em outras tarefas cognitivas. Além disso, o prazer proporcionado pelo ato de ler pode melhorar a qualidade de vida do leitor. Intervenções que promovam a estimulação cognitiva, especialmente nas crianças de baixo status socioeconômico, podem alterar seu desenvolvimento cerebral, gerando uma cadeia de eventos que pode refletir positivamente no desenvolvimento dos alunos.

Um pedacinho da "sala de leitura" da Escola Estadual Hegésippo Reis (Natal-RN), local onde foi gestado e gerado o projeto "Escola de Leitores", posteriormente dando origem à Lei Nº 9.169 de 15 de janeiro de 2009 e à Rede Potiguar de Escolas Leitoras

Podemos ainda não compreender todo o funcionamento do cérebro humano – ainda estamos longe disso -, mas isto de modo algum significa que nada compreendemos dele. De fato temos uma grande quantidade de evidências a respeito do papel da leitura no seu desenvolvimento, e isso revela a relevância de se investir e sustentar ações que garantam na escola a alfabetização das crianças na idade correta (aproximadamente 8 anos, ou 3º ano do ensino fundamental), bem como a importância de políticas públicas e projetos voltados à leitura. No nosso estado, o principal projeto é a “Rede Potiguar de Escolas Leitoras”, presente em 170 escolas de Natal-RN e Parnamirim-RN promovendo a formação de leitores literários desde a mais tenra idade. Estas ações, como vimos, são fundamentais não somente por formar leitores literários, mas também por promover estímulos que refletem em tarefas que vão além da leitura.

Seminário que faz parte e fomenta a Rede Potiguar de Escolas Leitoras.
Para ver a programação completa, clique aqui.
Thiago Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos de opinião no jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em 22/06/2012

Obs: para ler o texto no site do jornal Diário de Natal, clique aqui (é o texto de baixo).